sábado, 28 de maio de 2011

Aos leitores

Nosso blog - VÍTIMAS INDIRETAS: DO LUTO À LUTA está mudando, pois nossa luta também está.
Estamos criando um grupo, juntamente com outros cidadãos vítimas diretas e indiretas de violência.
Em breve, poderão obter mais informações sobre o G.A.V.V. e acompanhar nossas ações.
Para maiores informações, entre em contato por e-mail:
vitimasindiretas@gmail.com

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A dor de uma saudade (*)

 Por Ivone Rodrigues

“Senti na pele a dor e a perda, pois fazem 9 anos que
sinto esta dor.
Meu filho tinha só 18 anos, quando em uma 6ª feira
foi buscar sua namorada no serviço, quando foi abordado
por 3 bandidos. Eles lhe pediram a chave do carro, ele
entregou, mas os bandidos não conseguiram ligar o carro.
Dispararam, então, 6 tiros, sendo que 3 pegaram no meu
filho, que morreu na hora.
Hoje estou muito triste, nem sei e nem tenho forças
para descrever; só sei dizer que a dor é tão grande que às vezes
eu acho que não vou suportar. Tomo remédio pra dormir.
Voltei a estudar. Um dia, na escola, eu passei mal;
foi quando conheci uma mulher que é filha da zeladora da
escola e ela me falou do Cravi. Eu aceitei e estou participando.
Não estou bem, mas pelo menos conheci várias pessoas que
passaram pela mesma violência que eu.”

A VIOLÊNCIA
“Hoje em dia a violência no Brasil é uma
coisa triste. Eu posso falar, pois sofri e sofro até
hoje as conseqüências da violência.
Faz 8 anos que mataram meu filho. Ele
tinha só 18 anos e 3 bandidos pediram-lhe a
chave do carro; ele entregou, mas eles não
ficaram contentes e deram-lhe 6 tiros. Ele morreu
e isto me deixou muito triste.
Hoje, não tenho como descrever o quanto
meu coração dói. Só com a força de Deus eu
tenho conseguido não viver, mas sobreviver.
Muitas vezes eu desejei que o tiro fosse no meu
coração e não no dele.
Tomo remédio para dormir e voltei a
estudar, mas não consegui melhorar. Me dava
muitas crises, inclusive soluços, crises forte de
choro.
Até que um dia eu estava na escola onde
estudo e onde meu filho, André estudou; na
secretaria encontraram uma foto de André e eu
chorei muito. Então a filha da zeladora perguntou
para alguém porque eu estava chorando e falaram
o porquê. Como ela trabalha no Cravi, ela me
ofereceu ajuda, e eu falei que sim. Ela pegou meu
nome, e dias depois, ligaram para mim.
Comecei passando, conversando com
uma assistente social e uma psicóloga. Elas são
muito legais.
Hoje faço parte de um grupo de cidadania,
estou conseguindo uma pouca melhora, mas a
Ivone dor não passa e a saudade também não.”


(*) Relato publicado originalmente no livro "Quebrando o silêncio: memória, cidadania e justiça", p. 23-24, 2008, CRAVI, SP

Drama de uma família (*)

 Por Francisco Gomes

“Mês de maio, mês das noivas, dia das mães, mês de
Maria, mãe de Jesus, deveria ser só alegria, mas se tornou o
mês mais triste da minha vida, da minha esposa e filha, e as
demais famílias que tiveram seus filhos e filhas, tragicamente
mortos, deixando para trás planos e desejos prematuramente
consumidos pelos atos de covardia de pessoas que se julgam
no direito de tirar a vida de seus semelhantes sem nenhum
julgamento. Nem a pena de morte é executada nos países do
primeiro mundo sem um julgamento.
Há 8 anos atrás, perdi uma filha vítima da violência
e até hoje não foi encontrado o culpado. Só Deus sabe a
dor que eu e minha família sofremos, e, agora, neste
fatídico mês de Maio, meu filho desaparece sem nenhum
sinal: nem se está vivo ou morto.
Passa em minha lembrança um filme que mostra
os momentos que eu e minha esposa o visitávamos no semiaberto,
sua alegria, seus planos para quando tivesse sua
liberdade, começasse uma vida nova. Enfim ele saiu daquele
triste lugar muito contente. Fui buscá-lo e começava uma nova
vida; mesmo estando em condicional ele se mostrava otimista.
Apesar das dificuldades que se encontrava, ele
trabalhava sempre alegre, vendendo águas e refrigerantes em
locais esportivos; mas enfim, neste fatídico mês de Maio seus
planos foram bloqueados, deixando em nós um vazio imenso,
pois só quem é pai ou mãe, que vê seus filhos sendo gerados,
crescendo, correndo pela casa, muitos planos são feitos, tudo de
bom a gente sonha, até que um dia, o próprio mundo que nos
concedeu a graça de ter filhos se encarrega de levá-los da gente.
Hoje, tento entender o que houve, junto com outras
famílias que também perderam seus filhos tragicamente
mortos naquela noite do mês de Maio, e, em reunião,
vamos adquirindo forças para continuar lutando juntos;
mas um vazio sempre irá nos acompanhar.
Até quando vai durar esta impunidade, esta
desigualdade social? Sei que é difícil combatê-las, mas é
preciso que se faça algo para alertar nossos governantes para
que nossos jovens tenham um futuro mais longo e promissor.
As famílias que participam dos encontros no
Cravi buscam apoio para seus problemas: diversos casos
envolvendo violência, sede de Justiça e paz. As famílias
chegam aqui angustiadas e sem esperança e são ouvidas
em grupo contando seus dramas e desejos, sempre
acompanhadas por assistente sociais e psicólogas. Através
da convivência em reuniões nos tornamos mais otimistas,
tendo assim uma nova visão para continuar vivendo.”

(*) Relato publicado originalmente no livro "Quebrando o silêncio: memória, cidadania e justiça", p. 19-20, 2008, CRAVI, SP.