quarta-feira, 4 de maio de 2011

Drama de uma família (*)

 Por Francisco Gomes

“Mês de maio, mês das noivas, dia das mães, mês de
Maria, mãe de Jesus, deveria ser só alegria, mas se tornou o
mês mais triste da minha vida, da minha esposa e filha, e as
demais famílias que tiveram seus filhos e filhas, tragicamente
mortos, deixando para trás planos e desejos prematuramente
consumidos pelos atos de covardia de pessoas que se julgam
no direito de tirar a vida de seus semelhantes sem nenhum
julgamento. Nem a pena de morte é executada nos países do
primeiro mundo sem um julgamento.
Há 8 anos atrás, perdi uma filha vítima da violência
e até hoje não foi encontrado o culpado. Só Deus sabe a
dor que eu e minha família sofremos, e, agora, neste
fatídico mês de Maio, meu filho desaparece sem nenhum
sinal: nem se está vivo ou morto.
Passa em minha lembrança um filme que mostra
os momentos que eu e minha esposa o visitávamos no semiaberto,
sua alegria, seus planos para quando tivesse sua
liberdade, começasse uma vida nova. Enfim ele saiu daquele
triste lugar muito contente. Fui buscá-lo e começava uma nova
vida; mesmo estando em condicional ele se mostrava otimista.
Apesar das dificuldades que se encontrava, ele
trabalhava sempre alegre, vendendo águas e refrigerantes em
locais esportivos; mas enfim, neste fatídico mês de Maio seus
planos foram bloqueados, deixando em nós um vazio imenso,
pois só quem é pai ou mãe, que vê seus filhos sendo gerados,
crescendo, correndo pela casa, muitos planos são feitos, tudo de
bom a gente sonha, até que um dia, o próprio mundo que nos
concedeu a graça de ter filhos se encarrega de levá-los da gente.
Hoje, tento entender o que houve, junto com outras
famílias que também perderam seus filhos tragicamente
mortos naquela noite do mês de Maio, e, em reunião,
vamos adquirindo forças para continuar lutando juntos;
mas um vazio sempre irá nos acompanhar.
Até quando vai durar esta impunidade, esta
desigualdade social? Sei que é difícil combatê-las, mas é
preciso que se faça algo para alertar nossos governantes para
que nossos jovens tenham um futuro mais longo e promissor.
As famílias que participam dos encontros no
Cravi buscam apoio para seus problemas: diversos casos
envolvendo violência, sede de Justiça e paz. As famílias
chegam aqui angustiadas e sem esperança e são ouvidas
em grupo contando seus dramas e desejos, sempre
acompanhadas por assistente sociais e psicólogas. Através
da convivência em reuniões nos tornamos mais otimistas,
tendo assim uma nova visão para continuar vivendo.”

(*) Relato publicado originalmente no livro "Quebrando o silêncio: memória, cidadania e justiça", p. 19-20, 2008, CRAVI, SP.